AMANHÃ EU TEREI UM ENCONTRO. Há um mês
voltamos a nos falar. Entretanto, não foi de forma presencial. Coisa da
atualidade. Internet. Bate-papo virtual! Poxa, como a conversa por escrito foi
boa. Fiquei radiante. Marcamos; o dia é amanhã. Exposição de arte e de
antiguidades. Almoço e chopes, beijos etc... e o futuro. E tudo isso num
momento oportuno. Estou na rua e em condicional faz um mês e pouco. Não soube
dela nem ela de mim durante esse tempo. Me envolvi numa encrenca da qual não
fui culpado. Todavia, tive de assumir a responsabilidade daquilo que julgava
errado. Assumi a culpa, dei minha palavra. Assim peguei uns anos preso. Xilindró.
Tenho as marcas vivas ainda no corpo e na memória que nem seleciono. O pior é
que sequer tive como explicar-lhe o ocorrido, enfim, a vida... Antes de minha
reclusão imposta, envolvemo-nos intelectual e afetivamente. Mas nunca houve
contato físico... sequer um beijo. À verdade, todo envolvimento foi muito
subliminar... em insinuações, em disse-mas-não-disse, toda uma alegoria amorosa
tomou-nos almas e mentes. Relacionamento sublime. Puro. Lindo. Elevado.
Idealizamos um namoro magnífico. Somente os amigos cantores Neguinho da MPB e
Mc Porquinho do Funk sabiam. “Começaria tudo outra vez... a chama em meu peito ainda queima... nada foi em vão”. Porém, fui
enclausurado e não nos falamos mais... aliás, ela não me respondeu mais emails
e cartas que enviava do xadrez. Triste, mas resignado. Vida que segue. Foi o
fim.
HOJE EU TENHO UM ENCONTRO. Há dois anos
não a vejo. Como estou ansioso! Mas estou atrasado. Sapato rasgado? Ué?! Como
assim? É novo, imaculado! Tenho há um mês e pouco. Como me dissesse: “Já tô
cansado de embelezar e sustentar seu corpo. Não comungo mais de seus caminhos”.
Loucura de pré-encontro e de quem está atrasado e nervoso. Pareço ir de
catamarã em plena Linha Vermelha. Chego à Praça XV. Olho a imponência de Dom
João VI no centro da praça contrapondo-o à imagem receptiva do Almirante Negro,
localizado à periferia da mesma (tão à margem que poderia cair na margem das
águas se o Cândido tivesse vertigem)... esse outro João que há poucos dias
estava numa base com a parte de trás sem nada, aparecendo os tijolos e toda
suja de fezes. Um João montado a cavalo segurando uma insígnia da igreja, outro
João a pé de braço direito levantado e esquerdo com um timão. Um João branco no
centro, outro João negro à margem. Era início da revitalização da Zona Portuária. Na feira de antiguidades e cacarecos, vi máscaras africanas, grilhões e,
juro, um cinto de castidade! Sinto castidade? Nenhuma pureza, só cinismo e
devassidão. Acerca dos apetrechos do tempo da escravidão, não entendo por que
se encontravam à venda, mas tudo bem.
Torpedo no celular: “Cheguei”. Abraço
apertado, demorado e saudoso de carinho que não conhecemos, e que esperávamos.
Pública reciprocidade na afável interlocução. Estamos radiantes. A conversa é deliciosa.
As risadas são sinceras, gostosas e soltas no excesso. CCBB. A exposição de
arte é simplesmente magnífica. O Impressionismo, com sua busca pelo verossímil
nas obras de Renoir e Monet, preenche um vazio que nunca sei que possuo. O
Expressionismo, com o glamour do colorido de Van Gogh, preenche o possuo que é
um vazio. Táxi! Lapa. O passeio pelas antiguidades na rua do lavradio foi
imbatível. Almoço. Restaurante Antonio’s. Entrada: duas empadas, uma de
bacalhau e outra de carne-seca; principal: salmão grelhado ao molho de camarão
com arroz de brócolis. Tudo romântico... até que o ideal vira o real. Ela: “Uma
pergunta: por que não disse pra mim que seria preso?” “Concorda que tudo foi
pior para mim?” “Por acaso algum dia você se importou...” “Você foi. Eu
fiquei”. Mais e mais e mais. Um turbilhão. Ouço coisas do gênero lorenzetti
ducha fria: “tenho ficante-quase-namorado, estou em outra fase, sou outra,
sofri muito, perdi a esperança de encontrar a felicidade no outro, estou mais
sóbria sobre meus sentimentos”, resumindo, você “foi um rio que passou em minha
vida”... PQP! Que decepção! Eu todo empolgado com o samba de malandro que
soava... feliz acerca de um upgrade que daria na minha vida com nosso possível
relacionamento. “Meu mundo caiu”. “Fato consumado”. “E me calo com a
boca de feijão”, ops, de salmão. Explico o medo que tive à época.
Arrependo-me das escolhas do passado. Assumo a responsabilidade das
consequências. Conversa séria e franca. Canto sangrando:
“Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda... É apenas o meu jeito de viver o que
é amar”. A realidade é que o sonho acabou e o amor também, aliás, não acaba
o inexistente. Ruptura. É dura, consistente e irredutível. Calada, esperou
durante esses anos para no dia de hoje finalizar a quimera que vivemos. Não se
segue adiante sinceramente se as pendências do passado não são sepultadas. Uma
vez eu fiz um poema sobre isso: o luto deve ser vivido. Vamos embora. Estou
decepcionado e triste. Autoestima zerada. Mas resignado. Vida que segue. É o fim.
ONTEM EU TIVE UM ENCONTRO. E estou
feliz. Nada aconteceu como eu imaginava, ou melhor... idealizava. Pensava que
pudesse ser a chance da reabilitação. Não foi. O tempo passa. Nada melhor do
que um dia após o outro. As escolhas tornam as consequências implacáveis. Mas
tirei um grande aprendizado. Foi um insight. Pela primeira vez reflito sobre a
existência das consequências. “Meu tempo é hoje”, meu tempo é o agora. Uísque
e Paulinho: "Eu deixo em aberto / meu saldo de sentimentos / sabendo
que só o tempo / ensina a gente a viver". Só existem as escolhas.
Descobri que posso assumir um compromisso comigo mesmo. Eu ainda a amo pelo
simples fato de minha vida ser um carnaval. Seja minha Portela, aliás, minha
Beija-Flor... "minha escola, minha vida, meu amor". A
felicidade no samba é minha sina. Viva o samba! Eu ainda a amo porque ela é o
espelho que idealizei minha versão feminina. Eu ainda a amo porque sou eu o
objeto de meu amor. Ela foi o espelho que refletiu minha imagem. A vida
ensinou-me em sua oficina a dominar a arte de reinventar e de resistir.
Perseverança. Aprendi a gostar de gostar de amar e de me apaixonar. Áries
alimenta-me de paixão. “Meu coração tem manias de amor”. Mas “amor
não é fácil de achar”. Reconheço minhas escolhas e as assumo. Não tenho
raiva nem ressentimento. Estou maduro. Se eu me amar por nós, o rio não secará.
O meu rio, rio de tudo. Sou feliz. Meu amor por ela é pelo que de mim nela
deposito. Eu a amo porque me amo e não preciso que ela saiba disso. Não estou
resignado. A estrela Gonzaguinha, que fica na constelação plêiade à esquerda,
brilha em alerta: “o caso de vocês é uma porta entreaberta: há um lado carente
dizendo que sim e a vida gritando que não”. Pessoa, na pessoa de Bernardo
Soares, meu guru, meu filósofo, meu psicólogo, aconselha-me: desassossegue-se!
Estou vivo. É a autossuficiência do amor. Vida que segue. Será o fim?
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